domingo, 7 de março de 2010

Uso abusivo do promotor da propriedade horizontal na atribuição dos valores das fracções para definir a permilagem da PH

... e enormes dificuldades na alteração da propriedade horizontal ...

A.
Mais uma vez tomei conhecimento de uma propriedade horizontal constituída há cerca de quinze anos, em que os valores relativos das permilagens fixadas para cada uma das fracções não têm qualquer nexo, nem mesmo de casualidade, para justificar com idoneidade a respectiva atribuição.

É de pasmar com este caso: -as fracções que ficaram na posse do promotor, das suas firmas ou dos seus amigos, foram protegidas com uma atribuição de valores/permilagens mais favoráveis, isto é: SIGNIFICATIVAMENTE INFERIORES!

B.
E porque é que os proprietários das fracções só agora questionam a situação?

Em 1º lugar:
-Porque é agora que estão a aparecer obras avultadíssimas de reparação e manutenção do imóvel.

Em 2º lugar:
-Porque só agora se preocuparam deveras com a diferença de comparticipação entre si, nas obras a executar no imóvel.

Em 3º lugar:
-Porque só agora se deram ao trabalho de conhecer o documento constitutivo da respectiva propriedade horizontal.

Em 4º lugar:
-Porque aqueles que nunca tinham adquirido uma fracção de um prédio tinham ainda a convicção que ter uma permilagem maior significava ter um valor maior, e que isso seria uma mais valia para si próprios...

C.
Quais as implicações e possibilidades de alteração desta propriedade horizontal?

È caso para dizer que as pessoas que, de boa fé, adquiriram as suas fracções, foram "legalmente enganadas".

A legislação vigente deixa aos promotores imobiliários apenas a obrigação da atribuição de um "valor" ao prédio e às fracções da propriedade horizontal que constitui, sem definir quaisquer critérios para o vínculo da atribuição desses valores.
E é a proporção entre esses valores que determina a permilagem de cada fracção.
Por consequência ficam aí vinculadas as comparticipações de cada condómino para as dispendiosas obras de reparação e manutenção dos imóveis de utilização colectiva, constituídos em propriedade horizontal.
E ainda por cima, temos o país "semeado" de edificação colectiva que, ainda mal acabada de ser construída, está já com patologias graves de toda a ordem. Reparações obrigatórias, de custos elevadíssimos, com a agravante de ainda ter que ser detectada a sua origem, o que por vezes não é fácil, alongam no tempo a sua degradação e o custo da reabilitação.

A alteração da propriedade horizontal mostra-se impossível na generalidade dos casos sem a conivência ou colaboração das fracções que se encontram favorecidas, pois basta a oposição de uma delas para se tornar impossível rectificar o título constitutivo da PH.
Em princípio, em caso de litígio judicial apenas se mostram possíveis as alterações quando se demonstrem ilegalidades directas do Código Civil na constituição do título constitutivo da Propriedade Horizontal.
E a questão da atribuição do valor da fracção, como actualmente não possui parâmetros normativos balizadores, qualquer esclarecimento anedótico justifica o injustificável, que nem sequer está obrigado a ser justificado!
Assim, o valor atribuído à fracção é declaradamente aleatório... e a permilagem é fixada em função desse valor!

È o nó cego dado ao comprador desconhecedor destes meandros (mais de 95% dos compradores de uma fracção não verificarão o título constitutivo da PH antes de decidir a compra - incluido Arquitectos, Engenheiros e os próprios Advogados, na condição de compradores!).

D.
As implicações sociais, familiares e na saúde individual de cada um, pela não resolução destas patologias, ou pela falta de manutenção adequada dos imóveis, são enormes e constituem uma realidade constante.
Em boa parte devem-se ao não entendimento entre os condóminos; muitas vezes agravadas pela falta de justiça da atribuição dos encargos das obras de reabilitação, situação que desmotiva e desmoraliza os proprietários prejudicados com permilagens mais gravosas relativamente ao real valor que devia ter sido atribuido às suas fracções.
Estes, muitas as vezes, principalmente quando não são os desgraçados que foram directamente atingidos pelas patologias -infiltrações de águas das chuvas, do saneamento, do abastecimento da água, ou de qualquer outra das que por aí assolam os condomínios-, acabam a boicotar todo o tipo de encargos que sobre si venham a recair.

E.
Tudo isto para além das dificuldades mais específicas: - uma sociedade que se tem vindo a tornar demasiado individualista, preterindo valores familiares tradicionais, propiciada pela individualidade da habitação reduzida e restritiva, deslocada das amarras e suporte económico da família, muito facilmente, na adversidade, deixa sem condições económicas as pequenas famílias ou os proprietários individuais, para poderem suportar de um momento para o outro os encargos de vulto das obras de manutenção e reparação dos elementos comuns dos prédios.
Mesmo sem atender à questão algo opinativa, com que qualquer um pode perfeitamente não estar motivado a concordar, é uma realidade que há uma margem significativa dos proprietários de fracções de edifícios em propriedade horizontal que não possui condições económicas, nem estrutura social, para encarar tal como está obrigada legalmente, para proceder às obras que resultam da respectiva permilagem na propriedade que adquiriram.
As contas, aquando da aquisição da fracção, foram induzidas pelos meios publicitários e bancários aos compradores tendo por referência apenas os encargos de amortização do investimento da compra.
Isto é uma armadilha em que caíram muitas famílias.

F.
Quando, para além de tudo isto, aparecem encargos de obras a efectuar no prédio geral (muitas das vezes sem uma implicação directa nem imediata na fracção do próprio), e a distribuição desses valores não é feita de forma equitativa, vamos ter todos os entraves para evitar o encargo.
Isto significa reuniões exaustivas, compulsivas, sucedendo-se por anos intermináveis, perdas de tempo enormes e um desgaste económico e social que não são compatíveis com uma sociedade civilizada.
Daqui a motivação para uma tentativa de minimizar os erros já há muito detectados e que continuam a ser legalmente permitidos, tentando estabelecer parâmetros justos e fundamentados, na atribuição do valor das fracções e das suas permilagens numa propriedade horizontal.

G.
E quando é que o título constitutivo da PH pode ser Judicialmente declarado nulo, procedendo-se à alteração da propriedade horizontal apenas por iniciativa da fracção prejudicada, em desacordo com alguma das fracções privilegiadas?
-Apenas quando tiverem sido atribuídos às fracções fins diferentes daqueles que eram mencionados no projecto aprovado pela Câmara; - se não tiver sido feita a individualização das fracções; - ou ainda se não lhes tiver sido atribuído um valor.
Nestes casos a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal pode ser arguida pelos condóminos ou pelo Ministério Público, desde que haja participação de uma entidade pública responsável pela aprovação ou fiscalização das construções.

H.
Escusado será dizer que, conforme alguns dos exemplos que tenho vindo a referir, a arbitrariedade actual do regime de constituição de uma propriedade horizontal permite tantas variáveis que resultam em injustiças sociais directas, que não são respeitados os princípios básicos de constitucionalidade do nosso país, nem no aspecto de estado de justiça, de igualdade de tratamento e oportunidades; e muito menos quanto ao sentido de melhoria da ordem social.

A tabela de síntese que criei para a elaboração das PH's é muito simples, bastante rigorosa, de critério uniforme, acaba com o abuso arbitrário do promotor na instituição de uma propriedade horizontal, e ainda por consequência, terá implicação na manutenção das edificações e do espaço urbano.

Ferreira arq
(*alterado em 2011.09.14)

5 comentários:

  1. Inúmeros motivos das queixas a que temos assistido por parte de condóminos, assim como muitas das acções que correm em tribunal seriam evitadas se os regimes que instituiram as respectivas propriedades horizontais tivessem seguido as especificações aqui evidenciadas.
    Parabéns pelo artigo que julgo muito esclarecedor.

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  2. Boa tarde,

    seria possivel me informar sobre a possiblidade de um prédio em propriedade horizontal, que deu origem a duas vivendas gemindas.Se um morador pode construir anexos colados aos muros dos vizinhos e com uma estatura acima do referido muro e a contrução de alpendre ou seja um telhado para cobertura de um terraço exterior tendo este origem na fachada traseira da casa? os vizinhos podem denunciar essa situação ou impedir essa construção?

    Obrigada

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  3. A questão é mais jurídica que técnica, mas vou tentar ajudar:
    Presumo que se trate de duas fracções, "A" e "B".
    De acordo com as disposições do Código Civil, a propriedade horizontal não pode ser alterada sem a autorização (ou pelo menos o não impedimento), dos proprietários das restantes fracções.
    E se existem obras de ampliação do imóvel numa das fracções, isso significa que as suas áreas e o seu valor vão ser ampliados. Como tal a respectiva permilagem teria que aumentar, diminuindo proporcionalmente nas restantes.
    Ou seja, implicitamente as obras de ampliação de uma fracção obrigatoriamente têm que possuir autorização da assembleia de condóminos.
    Isto é também vinculado pelo C.C. no que se refere a obras de inovação no prédio, tal como é o caso que refere.
    Em termos Jurídicos, em tribunal, em princípio será esta a decisão.
    No entanto, em termos municipais, apareceu agora uma novidade no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE): As chamadas "obras de escassa relevância urbanística", onde se incluem esses pequenos anexos até 10,0m2 (ou mais, se o Reg. Municipal assim o referir), que, para todos os efeitos não carecem de licença nem autorização municipal!
    Ora, a Câmara Municipal pode querer passar ao lado da fiscalização dessas pequenas obras.
    Em meu entender mal, pois embora se trate de uma contradição legislativa, o C.C. não poderá ser ultrapassado nas situações de obras de inovação em edifício em propriedade horizontal, pelo que, o aumento de área numa das fracções terá que ser autorizado pela outra fracção, neste seu caso.
    Ou seja, a queixa deve surtir efeitos na C.M.; caso contrário terá que recorrer ao tribunal, onde certamente a obra de inovação será impedida.

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  4. Bom dia, tenho uma dúvida semelhante. Tenho uma propriedade horizontal num prédio, neste caso o R/C Dto, em que o prédio só tem R/C e 1º andar. Eu tenho quintal, e gostaria de fazer o prolongamento da cozinha encostado ao prédio, até ao limite vertical da minha propriedade, e até ao final do quintal, deixando ainda um pouco de quintal. O total do prolongamento é de 10 m2, seria possível pedir uma licença para construir o mesmo?
    Agradeço desde já a sua resposta.

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  5. A resposta à questão anterior, por ser algo extensa e tema interessante, fica mais acima, no post de 2010.11.21: http://propriedadehorizontal.blogspot.com/2010/11/casos-polemicos-obras-de-escassa.html

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