quarta-feira, 3 de março de 2010

Atribuição do valor das fracções, na constituição da PH

*
Qual o principal factor para a determinação do valor correcto de uma fracção?
A)
Esta deve ser a primeira questão a colocar, quando se vai elaborar uma propriedade horizontal.
Mas acaba quase sempre por ser a última. Ou seja, é a questão que apenas colocamos quando a injustiça de uma propriedade horizontal mal elaborada nos bate à porta.
B)
Sobre isto, vincula o Código Civil:
"ARTIGO 1418º (Conteúdo do título constitutivo)
1. No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio."
C)
Pela experiência de mais de duas dezenas de anos a lidar com propriedades horizontais, e com todo o tipo de conflitos dos edifícios de utilização colectiva, insisto que o valor relativo a atribuir a uma fracção não pode ser aleatório, nem deve ser atribuído de forma leviana (o que a actual legislação permite). O valor relativo da fracção tem que se aproximar do valor ponderado entre as mais valias que se podem obter para este efeito nas áreas de cada fracção, e os encargos que daí lhe podem resultar.
D)
Quero com isto dizer que:
Para uma fracção será bom ter um valor mais elevado proporcionalmente às restantes, para que, quando for resolvida a propriedade horizontal e o prédio for destruído, possa conseguir uma parte maior na distribuição do valor a auferir na venda do terreno, ou das ruínas do imóvel. Poderemos também atribuir alguma importância ao nº de votos de cada condómino, nas respectivas assembleias, correspondentes ao nº inteiro da respectiva permilagem.
Mas, a maior fatia económica, aqui em causa, vai para o investimento inicial de aquisição da fracção.
No entanto, se a questão fosse só esta, deixaríamos a atribuição do valor da fracção à pura avaliação feita pelo mercado, numa relação de atractividade entre as condições de cada uma das fracções e a respectiva procura.
Neste aspecto, os acabamentos interiores e os "extras" de cada fracção são elementos determinantes do seu custo. No entanto, são elementos perfeitamente temporais; todos eles podem ser alterados, em qualquer momento, por decisão unilateral do seu proprietário.
O facto de uma fracção não ter alarmes, nem ter aquecimento central, e ter o equipamento mínimo de uma cozinha que pode custar apenas €1.500,00, e outra, com a mesma configuração e área, ter um sofisticado sistema de aquecimento e de alarme, e ainda uma cozinha super-equipada, de custo superior a €15.000,00, para a definição dos respectivos valores na determinação das respectivas permilagens no condomínio, não podem ter ponderações diferentes.
Porquê?
- Porque a capacidade de utilização de cada uma dessas fracções é exactamente a mesma. E isso significa que a edificação no seu todo, pode ser agravada da mesma forma, com a mesma intensidade, por ambas as fracções; nomeadamente nas respectivas partes comuns.
Mais, ambas as fracções podiam ser adquiridas com características iguais, com o mesmo equipamento e, passados poucos dias, ser uma delas equipada soberbamente pelo proprietário que, para isso, não carece da permissão de qualquer outro dos condóminos.
E claro, esta alteração nunca viria a provocar a alteração do valor, ou a permilagem, da sua fracção relativamente às restantes (fracções essas que também poderiam até já ter algumas características internas alteradas; ou não ter), já que assiste a cada proprietário o direito de alterar a decoração, e mesmo a divisão interna da respectiva fracção, desde que não interfira com a ordem estrutural e comum do edifício.
De forma alguma, o valor de venda das fracções, poderá constituir o meio de atribuição do valor relativo de cada fracção para estabelecer a permilagem de uma propriedade horizontal.
Posto isto, as condições de utilização de cada fracção e por consequência, as condições de utilização de cada uma das áreas que constituem a fracção, em meu entender, são o elemento principal a ter em conta. Claro, sempre sem considerar os aspectos precários e pontuais que não interferem com a capacidade principal de utilização dessas área para a fracção.
Porquê?
Porque o valor atribuído a cada fracção e a permilagem inerente na totalidade do prédio, é que vão definir a quota parte da contribuição de cada fracção para as despesas de fruição das partes comuns do prédio, assim como para a conservação e manutenção de todas as suas partes comuns.
E em toda a vida útil do prédio, este é que vai ser o objecto principal da distribuição dos encargos que resultam da permilagem que cada fracção vai possuir.
A comparticipação de cada um só deve poder ser proporcional à respectiva possibilidade de uso da edificação, também o motivo maior de desgaste da propriedade comum.
Por esta perspectiva, já interessa a cada fracção que o seu valor seja o mais diminuto possível.
E é neste intuito que se têm visto os maiores malabarismos, que têm sido criados os maiores dissabores nestas áreas, seja por parte de quem promove os empreendimentos, seja para salvaguardar despesas ao próprio, ou a familiares e amigos. Ou apenas por pura ignorância.

Implicações futuras pela fixação arbitrária do valor da fracção:
-Como a alteração das permilagens fixadas no título inicial implica o acordo de todos, dificilmente se obterá a concordância dos que se encontrarem favorecidos!
E)
Na tabela de síntese que criei, estabeleci um critério com base nas áreas próprias e nas áreas comuns de uso exclusivo de cada fracção, para fazer o cálculo do seu valor e consequente respectiva permilagem, critério este que passa a ser igual para todas as fracções.
Para além disso, estabeleci uma redução de valor para cada uma das áreas que, embora afectas à fracção, desagravam os seus níveis de utilização e desgaste: as áreas das varandas, das garagens, do terreno exterior, etc.
E ainda introduzi um factor de correcção de valor a atribuir, para fracções em situações especiais, casos extremos de valorização ou de desvalorização, impondo que, obrigatoriamente, fiquem justificados esses motivos nesta tabela de síntese, que ficará apensa ao documento constitutivo da propriedade horizontal.
F)
Nos vários exemplos de aplicação desta tabela de síntese, os valores assim atribuídos às fracções resultaram proporcionalmente justos. Muito mais justos que em inúmeros outros casos de atribuição comum dos valores às fracções; seja com um critério uniforme de área, seja pelo valor comercial, fiscal, ou ainda pior, pela mercê de interesses individuais tendenciosos do promotor do empreendimento, dos seus representantes ou mesmo dos seus técnicos.
G)
Podemos assim, com esta simples e estruturada tabela de síntese da propriedade horizontal, minimizar logo à partida boa parte dos conflitos de relacionamento humano, comuns na generalidade dos condomínios, que devem ser acautelados, ou seja: prevenidos.
A situação actual regulamentar actual é exemplo do oposto: permite-se a confusão e… salve-se quem puder.
Chamo a isto respeito pelos princípios de ordem e justiça. Mais que isso: chamo-lhe “PREVENÇÃO”, que é fundamental quando estamos a criar edificações ou espaços urbanos comuns.

Ferreira arq.
* alt. 2010.03.24

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