sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Revisão da lei dos solos em Portugal – a lotaria do planeamento sem sorteio...

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1.Para que Portugal pudesse integrar a comunidade europeia teve que disciplinar o território, teve que acabar com a desordem, teve que elaborar PDM,s e… aprová-los. Para isso foi vinculado que os que os não tivessem em vigor não podiam concorrer aos fundos europeus!!! Não vinha dinheiro.

Todos sabem dos interesses privados que se movem em Portugal no âmbito da construção.

No topo está a questão que modela a possibilidade de se poder construir ou não poder em determinado terreno – é o planeamento do território.

Por norma o planeamento não pode vir depois do interesse privado especulador, tem que o anteceder. Mas não fomos assim habituados durante muitas dezenas de anos.

2.Num passado não muito distante fomos exemplo de ordenamento no mundo com o planeamento da Baixa Pombalina e outras várias intervenções no pós terramoto, aplicando exemplarmente todo o conhecimento acumulado na “sala do risco” no Terreiro do Paço, núcleo estruturante de planeamento da engenharia militar portuguesa que modelava as intervenções urbanas das bases militares que se desenvolviam nas ex-colónias, estabelecendo eficazmente a relação com o rio ou o mar, suas vias de acesso e principalmente de saída eficaz em caso de necessidade, numa ordem funcional não apenas militar, mas também social e económica.

Esta estrutura era planeamento, com o “risco” a alinhar as ruas e as praças, o eixo entre o porto e o forte militar que permitia uma intervenção rápida, ordenando-se então a envolvente e tendo em conta os eixos de ligação ao território, e da sua adequação ao relevo.

Todo este conhecimento que transparece dos desenhos e documentos que herdamos dos nossos antepassados, objecto de exposições recentes, teve o seu expoente nas intervenções do pós-terramoto, onde fomos exemplo mundial com a ordem urbana e social implementada na reconstrução da Baixa Pombalina, onde sobressaiu a explícita e nobre defesa do interesse público por parte do restrito grupo dos envolvidos, numa atitude que os dignificou e enlevou Portugal no mundo.

3.Entretanto, com a explosão urbana da industrialização o que vimos acontecer depois foi perder-se completamente a objectividade da ordem urbana que tinha que anteceder a ocupação e o interesse individual.

E até criamos a disciplina do “loteamento” – uma intervenção particular que cria espaço público que vamos depois todos ter que manter. O espaço urbano é público, tem que ser criado pela ordem pública, e tem que anteceder a intervenção privada, que deve então ter grande liberdade de opção, mas só ao nível da edificação.

Essa ordem perdeu-se em grande parte nas ex-colónias (salvo casos pontuais) e perdeu-se cá também, deixando de haver quem “riscasse” primeiro a ordem pública. Na generalidade prevalecem os interesses privados… em cada canto e bolso, com o respectivo dono.

E não foi por acaso que nos impuseram a aprovação dos PDM’s… Perguntem ao Eng Valente de Oliveira que foi exemplar - tinha que haver planeamento urbano a anteceder a despesa pública comparticipada pela CE!

Pois agora temos planos, aprovados; e não só PDM’s.

4.E temos bem visível o mau exemplo do período mais recente que deixamos nas ex-colónias: - favelas desordenadas, bairros imensos sem alinhamentos ou acessibilidades, sem infra-estruturas públicas, que não passam de amontoados de casas e polos gerais de insalubridade e de ineficácia social.

É só quererem comparar nas fotos aéreas do Google os espaços urbanos desordenados que nós deixamos nesses países e a ordem dos espaços nos países de origem anglo-saxónica próxima. Quase sempre a diferença é abismal. Eles desenharam e infra-estruturaram primeiro e o particular e a edificação vêm depois, com toda a liberdade, mas com ordem… qualquer um percebe isso. A desordem urbana tem custos económicos e sociais incomportáveis.

5.Pois agora no entendimento de alguns que se consideram mais iluminados que todos os outros os planos que temos não servem a ordem urbana, e é preciso “ocupar” aquilo que os planos entenderam que não era de ocupar… Então para que serviu a despesa doida e o imenso tempo gasto a planear, a desenhar, a discutir, a obter consensos? É por não servir os interesses individuais momentâneos? Ou é uma brincadeira de sobranceria de quem não tem formação para a ordem urbana e social?

6.Infelizmente não transparece agora a defesa do interesse público por parte dos envolvidos nas decisões disciplinares do ordenamento (área restrita de pessoas que deu cartas no passado, onde os objectivos nobres se sobrepunham a interesses individuais), ao pretender agora deixar-se à motivação dos decisores locais a arregimentação para validação de intervenções pontuais com interesses específicos para além do planeado ou planeável...

7.Em conclusão, não é por acaso que o planeamento se faz antes de intervir. Quando se faz para não ser aplicado… abre-se a porta a movimentos especulativos que são o oposto de planear! Os PDM's que elaboramos estão válidos para todos, ou só para os "outros"...

Salvo melhor opinião vamos ter mais uma lotaria – o (des)ordenamento para além dos planos, onde vingam os interesses privados, em que a “uns” sai a taluda (sem sorteio).

Porque é que desta vez não ficamos fora dos “fundos europeus”? Faz-nos muita falta o Sr. Eng. Valente de Oliveira a mandar nesta área. Ou outro técnico como ele. Precisamos de um mínimo de ética, e de seriedade.

Esta não é uma questão de posição ou de oposição, não é uma questão de letra – é uma questão técnica, económica e social.

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