domingo, 22 de agosto de 2010

Ocupação de terreno propriedade do condomínio

Questão recebida por mail:

“A Entidade Municipal da cidade onde moro criou uma plano de reurbanização da avenida onde está situado o edifício onde moro. O TCPH” … … “refere que o edifício, que tem 1023 mts de área, está construído num terreno com a área de 2633 mts, ou seja e de acordo com as telas, o terreno tem 30 mts de de largura e 87,54 de comprimento. Ainda de acordo com as telas, o edifício dista do passeio 6,30 mts por todo o comprimento do terreno, que foi aproveitado, pelos condóminos, para jardim. A Entidade Municipal dicidiu assenhorar-se desse jardim, destruindo-o, aproveitando o facto de necessitar de alterar o sistema de saneamento, não mais devolvendo o terreno e impondo nele erva com rega de aspersão e não permite que os condóminos voltem a tomar conta do seu jardim.”…

..."Numa reunião prévia, onde foi comunicada a reurbanização, eu próprio perguntei”… …”se iria expropriar aquele espaço privado de terreno. Respondeu que não e que só interviriam no jardim a pedido dos condóminos. Esta afirmação foi numa quinta-feira ao cair da tarde , na 2ª feira seguinte, logo pela manhã as máquinas da empresa de construção contratada iniciariam a destruição dos jardins.

Nestes termos solicito ao Sr. Arquitecto o favor de informar se existe base legal que permita este tipo de actuação.”


A questão colocada é mais jurídica que técnica. Mesmo assim vou tentar esclarecer.
Em princípio trata-se de questão de invasão de propriedade, do foro civil. Digo em princípio, porque pode não o ser.

Já tive uma questão complexa em que o TCPH não conferia com o projecto licenciado pela câmara municipal: no licenciamento foi condicionado, à data, por uma informação minha, que a área frontal ao edifício se destinava a “passeio e parqueamento automóvel públicos”, e o colega que posteriormente informou o pedido de certificação da PH não teve o cuidado de obrigar a que fosse retirada a área de logradouro frontal do terreno, da área privada do TCPH. Isto deu origem a uma complexa discussão jurídica e técnica, bastante mais tarde, onde, da minha parte, não abdiquei da condição de licenciamento imposta à edificação, que tinha comércio em toda a frente do r/c, e onde não existia qualquer lógica para o logradouro frontal privado, termos em que foi consumado o acto de licenciamento.

Por isso, no seu caso, na qualidade de legítimo proprietário de uma fracção do prédio, tem todo o direito de consultar na C.M. o processo de construção do edifício, e verificar as condições de licenciamento que foram impostas, assim como as plantas da PH aprovada (e não confiar apenas na parte escrita, pois podem existir contradições), que podem levar a decisões judiciais algo contraditórias a uma lógica que se previa mais comum.

Caso se confirme pelo processo de licenciamento do edifício, a situação de propriedade inequívoca do logradouro frontal, por parte do condomínio, tal como se encontra descrito no TCPH, não haverá dúvida quanto à ocupação ilegal desse logradouro frontal do prédio, pela entidade municipal; isto também, caso não exista qualquer tipo de acordo formulado pelo respectivo condomínio ou grupo de condóminos. E valerá a pena confirmar se existe acordo ou não, pois não será a primeira vez que, mesmo sem o conhecimento dos restantes condóminos, os administradores dos condomínios, ou um grupo parcial de condóminos, procedem a acordos, formalmente não legais, de cedência de logradouros ou parte de prédio, originando situações jurídicas também complexas.

Não tendo acontecido isso, haverá ainda que apurar exactamente quem procedeu à ocupação ilegal da Vª propriedade. O que também nem sempre é fácil provar, pois quando os ditos se sentirem “apertados”, mais vai parecer que ninguém deu ordens, e as obras aconteceram por “mero equívoco” de comunicação – um mal entendido – como se tem visto acontecer.

Para estes actos existe um meio judicial expedito – o embargo judicial – para fazerem parar a ocupação ilegal do que é vosso, para o qual deverão rapidamente recorrer a um advogado.

É que o município apenas tem um meio legal para proceder à ocupação unilateral do espaço privado – a expropriação. E não pode proceder à expropriação sem primeiro contactar o condomínio, representante dos proprietários, tendo obrigatoriamente que efectuar uma tentativa formal de acordo, e só depois pode avançar com o processo expropriativo.

Isto quer dizer que, para fim de utilidade pública, o município poderá sempre conseguir expropriar-lhes o terreno que é vosso, compensando-os (antes ou depois) com o respectivo valor.

Ou seja, podem ter uma guerra inglória pela frente, onde acabam por ficar sem o terreno (e, tal como acontece muitas vezes nestes casos), não será propriamente o valor da indemnização que os motivará.

Talvez por esta possibilidade final, utilizando “equívocos” ou mal entendidos, alguns serviços municipais se “adiantem”, na execução de algumas obras, criando dissabores posteriores, por vezes bem graves. Cumpre aos responsáveis autárquicos fazer com que este tipo de coisas não aconteça, e nunca o contrário.

Da minha parte, entendo sempre que o acordo formal deve anteceder a obra, esclarecendo-se sempre os particulares das vantagens da intervenção municipal que se pretenderá. Os mal entendidos ocorrem mesmo com estas precauções, que fará não as tendo.

Opinião minha:

- Será sempre de ponderar das vantagens da proposta municipal para a edificação, contrapondo com propostas que considerem mais convenientes, e claro, não abdiquem se entenderem que de facto a proposta municipal não é coerente (o que também chega a acontecer).

Ferreira arq